Lei dos Estrangeiros aprovada pela direita e com a ajuda de um partido de esquerda

A Assembleia da República aprovou esta terça-feira a nova Lei dos Estrangeiros, com os votos favoráveis dos partidos de direita e do JPP, e com os votos contra de PS, Livre, PCP, Bloco e PAN. Um sentido de voto que se adivinhou ainda antes do debate, depois de PSD e Chega terem chegado a um «entendimento», como foi antecipado pelas partes.
Não causou por isso surpresa que o diploma apresentado em plenário pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, tenha merecido elogios da direita, com o Chega a declarar o texto como “suficiente”, embora tenha deixado claro que “ia ser preciso ir mais longe” em matéria de política migratória.
“Que fique claro que o texto nos parece suficiente, mas reconhecemos desde já que teremos de ir mais longe para efetivamente conseguirmos regular a política migratória”, afirmou a deputada Cristina Rodrigues, do Chega. “Portugal precisa de regras claras, firmes e justas. Quem não gostar tem bom remédio, quem não quiser cumprir tem uma solução: a remigração”, acrescentou.
O discurso do Chega ficou ainda marcado pelas duras críticas a duas entidades que o partido considerou terem sido responsáveis pelo chumbo da proposta original da Lei dos Estrangeiros: o Presidente da República e o Tribunal Constitucional, com Cristina Rodrigues a acusar Marcelo Rebelo de Sousa de “não ter sabido respeitar a vontade dos portugueses” e o TC de “não conhecer o seu lugar”.
“Importa dizer com clareza que não era ao Tribunal Constitucional que cabia decidir a política de imigração em Portugal. Quando as visões pessoais de alguns juízes se sobrepuseram à análise estritamente jurídica de um determinado decreto, então o TC deixou de ter capacidade para exercer as suas competências”, argumentou a deputada, acrescentando que “um tribunal que conscientemente decidiu preterir os direitos dos portugueses em relação àqueles que não tinham ainda qualquer vínculo com o nosso Estado foi um tribunal que deixou de servir o seu povo”.
Já Rita Matias, naquele que poderá ter sido um dos seus últimos discursos na Assembleia da República, dado ser candidata do Chega à autarquia de Sintra, lembrou que cabe aos legisladores “definir critérios para devolver todos aqueles que não se integram” e “defender a família portuguesa como a base da sociedade”.
Apesar da firmeza dos discursos, uma das bandeiras do partido ficou de fora da lei aprovada: a interdição de apoios sociais a estrangeiros com menos de cinco anos de residência. Esta medida ficou, segundo confirmou a CNN Portugal, para ser tratada mais tarde numa proposta autónoma.
Leitão Amaro elogia a «postura construtiva» da oposição, mas não esquece a «herança preocupante» que recebeu
Da parte do Governo, António Leitão Amaro destacou a postura “construtiva” de IL, Chega e PS, salientando que “o Parlamento podia estar a caminho de um dia bastante importante”.
“Queria destacar aqui em particular as posições dos três maiores partidos da oposição que, com divergências, tiveram aqui posturas construtivas: a IL, o Chega, e mesmo o Partido Socialista”, defendeu, apesar de as propostas socialistas terem sido todas chumbadas.
Mas não só de elogios se fez o discurso do ministro responsável pela pasta das migrações. Depois de ouvida a oposição, Leitão Amaro não esqueceu a “herança preocupante” que disse ter recebido do Governo anterior.
“Já todos percebemos que herdámos uma situação preocupante de descontrolo nas entradas, de profundíssima desumanidade no tratamento dos imigrantes que chegavam. Essa situação tinha de mudar e estava a mudar”, declarou.
O PSD, através do deputado António Rodrigues, defendeu que Portugal precisava de uma lei que regulasse “com rigor e determinação” a entrada, permanência e saída de estrangeiros, rejeitando “a entrada indiscriminada”.
«Todos nós temos a consciência que Portugal precisa de uma Lei de Estrangeiros. De uma lei que regule com rigor e com determinação, a entrada, a permanência, e a saída de Estrangeiros no nosso país», sublinhou o deputado social-democrata. «Não queremos mais a entrada indiscriminada de estrangeiros no nosso país. Não queremos mais qualquer tipo de apreciação casuística ou dispensas excecionais de autorizações ou de ultrapassagem ou requisitos de critérios para que os estrangeiros possam entrar no país», referiu ainda.
Já o PCP guardou as suas acusações para PSD e CDS por estes terem mantido “as limitações ao reagrupamento familiar”, contrárias, segundo Paula Santos, às convenções internacionais.
«Constatamos que as alterações propostas por PSD e CDS mantêm as limitações ao reagrupamento familiar ao arrepio das convenções internacionais que consideram o reagrupamento familiar um direito dos imigrantes e das famílias, e que é essencial para a integração dos imigrantes nos países de acolhimento», defende a deputada comunista, referindo que «PSD e CDS mantêm todos os pressupostos que estiveram na origem da proposta inicial, com outras nuances».
Também à esquerda, as críticas foram ainda mais longe, com Andreia Galvão, do Bloco de Esquerda, a acusar o Governo de ter transformado a Lei dos Estrangeiros “numa lei contra os estrangeiros”. “Foi uma lei cruel para quem não era gold, que separava pais dos seus filhos e das suas mulheres, que negava o acesso à justiça e promovia o acesso à imigração irregular”, acusou.
PS deixou um apelo ao Governo: «Evitar tentações populistas»
O PS, apesar do voto contra, garantiu estar disponível para “um caminho construtivo” e apelou ao Governo para “evitar tentações populistas”. Pela voz de Pedro Delgado Alves, o partido apresentou três objetivos que, no entender dos socialistas, deviam nortear a lei.
“Em primeiro lugar que as imigrações fossem seguras, legais e regulares; em segundo que houvesse humanismo no acolhimento e que se promovesse a integração das pessoas que connosco viessem construir a comunidade; e em terceiro lugar que se atendessem às necessidades da economia e dos seus setores-chave, que muito necessitavam de trabalhadores estrangeiros para assegurar a prosperidade e o nosso futuro”, defendeu.
O socialista admitiu, no entanto, que o Governo até “deu resposta de forma satisfatória” a alguns pontos considerados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional.
O discurso do deputado aconteceu minutos antes de Rita Matias, do Chega, ter acusado o Partido Socialista de “denegrir o país”, alegando que nos últimos anos a bancada socialista “levantou mais vezes as causas de outros povos, de outros países, de outras culturas, do que a nossa”.
«Aquilo que nós vimos ao longo dos últimos anos foi que aquela bancada [do PS] levantou mais vezes as causas de outros povos, de outros países, de outras culturas, do que nossa. Talvez para esconderem um facto inegável de que as ideias socialistas condenaram o nosso país», sublinhou. «Hoje há uma maioria de direita, graças ao Chega, que vai regulamentar e criar mais regras para controlar a imigração», completou.
Tiago Ferreira Resende – CNN Portugal