Há dois tipos de eleitorado onde o Chega não consegue entrar

Porque é que os portugueses do Luxemburgo votaram massivamente num partido anti-imigração? Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e especialista no estudo da opinião pública e do comportamento eleitoral, analisa o crescimento da extrema-direita.
Esta semana vimos o Chega aumentar a sua influência na AR graças aos votos da emigração. No caso do Luxemburgo, o partido não só confirmou a primeira posição que tinha alcançado em 2024 como quase duplicou o número de votos em 2025. Como se explica que portugueses que vivem no estrangeiro votem num partido anti-imigração no país de origem?
Não é estranho que imigrantes portugueses noutro país apoiem um partido que é anti-imigração em Portugal. Aliás, não é sequer raro que imigrantes naturalizados ou descendentes de imigrantes votem em partidos anti-imigração no país onde vivem. Os imigrantes nem sempre se veem a si próprios como alvos da retórica anti-imigração desses partidos, se se sentirem mais assimilados e se essa retórica tiver como alvo outros grupos de imigrantes dos quais se querem distinguir pela positiva, como “bons imigrantes” (ao contrário dos outros).
Na diáspora, e particularmente nos últimos anos, sobram queixas sobre a forma como as eleições portuguesas decorrem no estrangeiro. Votos perdidos, votos anulados ou repetições de eleições são notícias recorrentes. Poderá isto criar uma sensação de abandono, ou desilusão, que se traduz em voto de protesto?
Sem dúvida que o voto nos partidos da direita radical tem, como uma das principais explicações, a frustração com o funcionamento das instituições políticas e o sentido de que se é negligenciado por quem tem poder. Independentemente de as eleições no estrangeiro darem hoje mais oportunidades de participação do que deram no passado, não estranho de todo que haja ainda grande insatisfação com a forma como funcionam, e mais ainda com a forma como um segmento da população de dimensões tão grandes é representada no parlamento. Não ficaria surpreendido se estudos que viessem a ser feitos confirmassem a relação entre esses sentimentos e o voto na direita radical.
Durante décadas, a abstenção nos círculos europeus facilmente ultrapassava os 90 por cento, mas hoje – tal como em Portugal – parecemos assistir a uma inversão dessa tendência. Pode estabelecer-se uma relação entre mais eleitores e mais eleitores na extrema-direita?
É certo que, pelo menos na fase inicial, o Chega cresce em grande parte à custa de anteriores abstencionistas. Parte daqueles que não votam fazem-no por rejeição e insatisfação com o sistema, e passaram a votar quando um partido começou a mobilizar e canalizar esses sentimentos. Mas não creio que isso seja suficiente para explicar o crescimento do Chega. Afinal, nestas eleições, a abstenção aumentou ligeiramente nos resultados globais, e mesmo assim o partido cresceu.
A propensão dos jovens para votar na Iniciativa Liberal ou no Livre é desproporcionalmente maior entre os jovens do que a propensão para votar Chega.
No final do século XX havia uma piada batida na política portuguesa: “Se aos 20 anos não fores de de esquerda, não tens coração. Se aos 40 não fores de direita, não tens cabeça.” Mas a direita radical, e sobretudo o Chega, parecem estar hoje a conquistar muitos votos nos jovens. O que é que mudou?
Não creio que haja uma relação especial entre ser-se jovem e votar no Chega. Há sim uma relação entre ser-se jovem e votar num partido novo, ou seja, num partido que não seja o PSD, o PSD, o PCP ou o BE (que já não é um partido novo). Mas note-se que a propensão dos jovens para votar na IL ou no Livre é desproporcionalmente maior entre os jovens do que a propensão para votar Chega. Isso não impede que o Chega tenha muitos votos entre os jovens, mas não tem muitos mais do que os que tem na população em geral. A IL e o Livre sim.
Quando 1,4 milhões de portugueses votam no mesmo partido pode dizer-se que há um eleitor típico do Chega?
É difícil falar de um “eleitor típico” de um partido tão grande. É um eleitorado já muito diversificado. Mas pode-se responder de outra forma apontando para características dos eleitores onde o Chega tem maior dificuldade em entrar. São duas: por um lado, os eleitores mais idosos, que parecem resistir à atração do partido, provavelmente porque têm hábitos mais arreigados e partidos com os quais já se identificam há muito tempo; e por outro lado os eleitores com maiores níveis de instrução, que parecem ter valores e ideias que os afastam mais dos valores e ideias do Chega.
A frase é de André Ventura: “o Chega matou o bipartidarismo em Portugal”. O que é que isto significa? Que mudanças podemos esperar no Parlamento a partir de agora?
Acho que é uma análise correta, o sistema partidário mudou, e já não é um sistema de 2 partidos dominantes. O que podemos esperar, creio, é uma oposição violentíssima do Chega ao governo, para capitalizar com o descontentamento que inevitavelmente todos os governos acabam por gerar, evitando que seja o PS a beneficiar desse descontentamento. O PS tenderá a estar mais hesitante em assumir uma posição de confronto com o governo, depois dos resultados, com uma nova liderança e obrigado a projetar uma imagem de responsabilidade, enquanto o Chega dará ao governo uma luta sem quartel, é o que espero ver.
O caso do Chega está longe do isolamento, nos EUA ou na UE. Que Europa podemos adivinhar no futuro quando os partidos nacionalistas ganham todo este peso no continente?
A ordem internacional liberal democrática está em crise, por razões económicas (desigualdade e incerteza económicas, crises), culturais (receio da diferença e da diversidade) e políticas (a transferência de poder para a esfera das instituições internacionais e para os mercados é vista como uma perda de soberania). O nacionalismo é a ideologia mais poderosa que existe, e está muito ativado na política europeia. Não vai ser fácil contrariá-lo.